domingo, 24 de agosto de 2008

Como fazer um projeto de desenvolvimento?


Na elaboração de planos de desenvolvimento, não existe modelo único de projeto que possa ser aplicado em todos os municípios. Uma forma considerada como satisfatória é aquela em que o plano de desenvolvimento é elaborado no âmbito estadual, sendo baseado e sustentado na Microrregião, tendo os municípios como agentes executores. A dificuldade de envolver os governos estaduais, bem como conseguir um consenso mínimo entre os municípios de uma Microrregião, acabam por dificultar ou mesmo inviabilizar um projeto mais amplo, que teria por sua vez, maiores possibilidades de sucesso. Com estas dificuldades restam muitas vezes, apenas as tentativas isoladas de alguns municípios.
Partindo do pressuposto que a discussão e execução do projeto de desenvolvimento terá amplitude municipal, sendo coordenado pelo poder público municipal, através de um Conselho Municipal de Desenvolvimento, contando com a ajuda do Estado, através das empresas/órgãos sediados nos municípios, pode-se sugerir, de forma genérica os seguintes passos para a elaboração, execução e avaliação de um projeto de desenvolvimento baseado no setor rural:

Elaboração do Projeto de Desenvolvimento

O processo de elaboração de um Projeto de Desenvolvimento Municipal (PDM) deve ser o mais representativo e democrático possível, pois somente isto assegurará sua implementação, efetivação e, principalmente, a continuidade independente de quem esteja no governo. A participação popular deve ser constante, iniciando na escolha do caráter e necessidade do projeto, definição das demandas, escolha das prioridades e na execução/fiscalização do Projeto. A metodologia discutida a partir de agora será em função de aspectos diretamente ligados a questão rural.
Antes de mais nada, o poder público e/ou as organizações sociais devem provar a necessidade de um PDM, tornando este debate o mais democrático possível.

Pode-se numerar as etapas em:
1. Listar todos as entidades e organizações existentes no município, como: cooperativas, sindicatos, associações, agroindustriais, clube de lojistas. No caso da agricultura em especial, a identificação de todos os agentes que atuam no meio rural, tais como Emater, Secretaria da Agricultura, escritórios de assistência técnica, etc. são de extrema importância.
2. A participação de organizações urbanas é fundamental na medida em que estas tem peso decisivo na viabilização de recursos (públicos e privados) para a implantação do projeto, além de serem importantes agentes deste processo. A participação deste segmento pode ser conquistada através da informação e discussão dos impactos positivos no setor urbano municipal de qualquer aumento da renda do conjunto dos agricultores (novamente mostra a necessidade de extrapolar os limites de um projeto meramente rural).
3. Discutir com todos os setores a necessidade do PDM, demonstrando a situação atual da agricultura e os impactos positivos a médio e longo prazos que um plano de desenvolvimento pode trazer.
4. Criar um Conselho para o Desenvolvimento Municipal. É importante manter/criar Conselhos setoriais para discutir e elaborar políticas específicas para cada área, como Conselho Municipal da Agricultura, de Saúde, ou ainda, de Educação, o que pode ampliar ainda mais a participação da sociedade. A junção das propostas setoriais, definição de prioridades e o acompanhamento do projeto como um todo podem ser discutidos e aprovados no Conselho de Desenvolvimento.
5. É fundamental que esta discussão ultrapasse os limites da administração municipal, pois demanda muito mais tempo do que apenas 4 anos de gestão, e deve ser mantida independente de quem ou qual partido estiver dirigindo o município. Os planos plurianuais, parcialmente ou totalmente, podem e devem ser inseridos no plano de Desenvolvimento, na medida em que são traçados objetivos e metas a curto, médio e longo prazo para as ações de desenvolvimento.
6. O Conselho de Desenvolvimento Municipal deve ser o gestor do projeto, sendo responsável por toda a coordenação (elaboração, fiscalização e avaliação) do projeto. A execução é mais ampla, passando pelo poder público e pelas organizações representativas da sociedade, assim como pelo conjunto da população.
7. Realizar um estudo da realidade municipal, comparando alguns dados com as médias regionais e estaduais, buscando levantar diferentes tipos de informações. Primeiramente, deve-se buscar as informações já disponíveis para o município e região, sobre os quais serão levantadas questionamentos e traçados hipóteses.
· informações censitárias (população, êxodo, crescimento populacional, faixas de idade, desnutrição, mortalidade infantil, etc.);
· orçamento do município (fontes de arrecadação municipal, arrecadação tributaria por produto/setor, principais despesas, PIB per capita, etc.);
· principais atividades econômicas do município, geração de empregos, etc.;
· indicadores de saúde, educação, habitação e lazer dos agricultores;

Parte destas informações, ao nível municipal, normalmente estão disponíveis na Emater e prefeitura. Ao nível estadual, informações estão disponíveis no IBGE e em órgãos estaduais de pesquisa. (Paraná - IPARDES, Rio Grande do Sul - FEE e Santa Catarina - CEPA).

É importante ainda, procurar saber se existem outros estudos e pesquisas realizados no município, facilitando a fase seguinte, que é o levantamento de informações e demandas diretamente junto a população, neste caso, a população rural. Na fase de levantamento de dados a campo, deve-se buscar questionar os agricultores sobre:

· sócio-cultural: participação das mulheres e dos jovens nas decisões, divisão do trabalho e das responsabilidades da unidade de produção familiar, origem étnica, lazer, etc.;
· situação econômica dos agricultores (infra-estrutura, terra, capital, dividas, renda, etc.);
· os sistemas de produção existentes e quais são os estrangulamentos destes sistemas;
· entender os motivos das diferenças existentes entre os agricultores;
· quais são as alternativas encontradas e sendo executadas pelos agricultores;
· separação dos agricultores por sistemas de produção, tendo a renda como diferenciador entre as categorias;
· quais são os principais problemas enfrentados pelos agricultores, e se eles conseguem diferenciar as responsabilidades entre os três níveis de governo;
· quais são os “sonhos” dos agricultores. O que é uma condição sócio-econômica ideal para sua família;
· quais são as reivindicações básicas para o poder municipal, estadual e federal.

A coleta deste tipo de informações podem ser viabilizadas de 4 maneiras, dependendo dos recursos econômicos e do tempo disponível. Cada uma apresenta vantagens e desvantagens que devem ser consideradas antes da escolha da metodologia a ser adotada.

1) Realizar um censo de todos os estabelecimentos rurais.
· vantagens: demonstra a real situação econômica dos agricultores, com dados estatisticamente confiáveis; quantificação das categorias; não apresenta erros de amostra, que podem acontecer com pesquisas amostrais.
· desvantagens: necessidade de muito tempo; grande aporte de recursos; os dados são econômicos, não aparecendo informações mais subjetivas e que podem ser fundamentais na elaboração do projeto (não mostra a lógica de produção do agricultor).

2) Realizar um pesquisa amostral, entrevistando um número reduzido de agricultores (1 a 5% do total) , escolhidos aleatoriamente entre as diversas comunidades. Pode-se ainda, primeiro fazer uma separação por extrato de área e só então escolher aleatoriamente um número de entrevistados entre cada grupo de área.
· vantagens: menor tempo e menor custo; Caso opte-se por um número reduzido de entrevistas, é possível buscar informações subjetivas, extrapolando apenas informações econômicas e sociais. Isto só é possível com um número reduzido de entrevistadores.
· desvantagens: pode ocorrer erros na escolha da amostra; caso busque dados mais qualitativos, diminui a participação de um número maior de pessoas, o que pode ser interessante para estimular a participação.

3) Conversar com pessoas chaves do município (técnicos, lideranças atuais e antigas de agricultores, etc.) e fazer uma pré-classificação dos sistemas e entrevistar amostras dos representantes dos diversos sistemas, sem rigor estatístico.
· vantagens: baixo custo e menor tempo necessário; maior numero de dados qualitativos; poucas pessoas envolvidas; maior agilidade na avaliação e conclusão do estudo.
· desvantagens: problemas de erro amostral; impossibilidade de quantificação do número de agricultores por sistemas de produção; poucas pessoas participantes do processo de pesquisa e análise.

4) Conversas com lideres comunitários e realizações de reuniões nas comunidades, buscando responder às questões necessárias para o entendimento da realidade e das demandas dos agricultores.
· vantagens: muitas pessoas participando da discussão; baixo custo; rapidez na análise e nas conclusões.
· desvantagens: impossibilidade de utilizar os dados estatisticamente, não mostra a realidade e necessidade dos mais pobres, que normalmente não participam de reuniões.

Pode-se também unificar as metodologias 3 e 4 ou a 2 e 4 expostas acima, o que aumentaria a participação dos agricultores no processo inicial da pesquisa e do projeto. A participação popular também pode ser ampliada na fase de discussão dos dados e elaboração do plano de desenvolvimento. A comunicação tem um papel fundamental nesta etapa. Uma intensa campanha popular deve fazer com que a população veja o projeto como fruto de suas próprias demandas, e não como uma proposta da administração municipal, e tende a agir como estimulante para a participação popular e, consequentemente, para o sucesso da proposta. A administração municipal deve ser vista como a principal executora da proposta popular, recebendo os seus méritos, quando os fizer merecer.

Com base no levantamento dos dados a nível de campo, já tabulados, deve-se realizar diversas análises de tendências e perspectivas para alguns produtos agrícolas. Estas informações serão utilizadas tanto para traçar-se os cenários futuros como para servir de propostas econômicas alternativas para os sistemas vigentes. A agricultura sustentável, considerada como a única forma de desenvolvimento adequada ao meio ambiente e, consequentemente, a sociedade como um todo, deve ser a base da pirâmide de qualquer projeto ou proposta de desenvolvimento do meio rural.

Com os dados tabulados e analisados é possível traçar 3 cenários para o município, sendo eles:
· sem intervenção: qual deve ser a realidade dos agricultores, diferenciados em categorias, em um prazo de 5 e 10 anos, caso sejam mantidas as atuais políticas, deixando apenas o “livre mercado” agir sobre eles.
· sonhos: como deveria ser o meio rural daqui a 5 e 10 anos do ponto de vista dos agricultores. Quais são seus anseios e sonhos para uma vida melhor no campo.
· viável: frente à tendência natural do desenvolvimento e os sonhos dos agricultores, associado com as condições econômicas e estruturais à disposição do município, é possível traçar um cenário futuro, fruto da intervenção conjunta do poder público e privado.

A partir deste patamar, é necessário traçar metas a curto, médias e longas prazo, sempre baseado na realidade de desenvolvimento considerado como viável. O Conselho de Desenvolvimento Municipal (CDM) deve então elaborar propostas técnicas e econômicas para que se possa atingir os objetivos propostos.
Com mais esta etapa concluída, é necessário retornar aos agricultores, agora em reuniões com grupos ou por comunidade, buscando discutir os resultados preliminares e fazer uma síntese das propostas apresentadas durante as entrevistas, incorporadas com as propostas apresentadas pelo CDM. Desta forma é possível discutir quais serão as prioridades, bem como a distribuição das atividades ao longo dos anos. Este momento é fundamental para o andamento e sucesso do plano, por isto deve-se buscar um problema-chave capaz de unificar a maioria dos atores envolvidos na colaboração pela sua superação. Caso primeira ação tenha sucesso, as outras terão maior apoio e sustentação.

A partir dos estudos de mercado, associados aos interesses dos agricultores e da própria comunidade urbana local que poderão indicar a viabilidade ou não de projetos como a criação de agroindústrias de ação local, regional ou mesmo estadual. Os incentivos oferecidos pelo município devem ser destinados às atividades que tenham perspectivas concretas de viabilidade econômica. É necessário inclusive, discutir a participação de empresários do município em projetos econômicos no campo, através da viabilização de capital para investimento. Alternativas de industrialização não precisam necessariamente ser exclusivos dos agricultores. Muitos empreendimentos rurais, concretizados através da organização dos agricultores pode pressentir de investimentos externos ao grupo, tendo no grupo o controle e a democratização dos recursos gerados.

Execução do Projeto de Desenvolvimento

A execução do projeto é a etapa mais importante do plano de desenvolvimento, embora só terá validade se a primeira fase obtiver sucesso. A efetiva participação dos agricultores na formulação do projeto e a sua concordância em relações às conclusões e propostas é que definirão a viabilidade da concretização do plano de desenvolvimento rural.
Propostas dispersas para o setor rural, como o incentivo a construção de açudes, programas de distribuição de calcário, distribuição de sementes, entre outras práticas comuns às administrações municipais que se dizem preocupadas com a agricultura, tendem a trazer resultados pouco efetivos do ponto de vista da viabilidade e manutenção da agricultura familiar em um município.

Todas as atividades de fomento promovidas pela prefeitura, coordenada e aprovadas pelo CDM deverão estar de acordo com o projeto de desenvolvimento municipal, sendo inclusive fruto de constantes avaliações por parte da sociedade.

Discutir prioridades e definir metas são duas etapas que normalmente geram conflitos, na medida em que interesses pessoais começam a ser disputados. Do ponto de vista prático, não é viável a administração colocar toda a sua infra-estrutura a disposição do plano de desenvolvimento, mas sim, deixar uma pequena parte dela destinada a resolver problemas emergenciais e conjunturais do município, que normalmente precisam ser solucionadas rapidamente, caso contrário, pode comprometer todo o plano traçado.

Avaliação do Projeto de Desenvolvimento

Uma vez definidas as políticas e os prazos para a execução, começa a fase de fiscalização e avaliação do projeto. Esta fase, que normalmente é colocada em segundo plano, tem uma função primordial para o sucesso de um plano de desenvolvimento municipal. Primeiro, a avaliação dos rumos do projeto deve ser constante. Nenhum projeto de desenvolvimento pode ser considerado acabado e eterno. Reavaliações dos rumos e das metas devem ser constantes para que o projeto possa se adequar à realidade e a fatos conjunturais, mais em nenhum momento pode perder o caráter inicial e estratégico de desenvolvimento a que se propõe. A fiscalização também não pode ser vista como uma função externa ao projeto, mas como parte integrante e comprometida com os objetivos do projeto de desenvolvimento. O processo de avaliação deve contar com a participação do próprio Conselho de Desenvolvimento Municipal, associada com a participação da sociedade. O processo de avaliação deve basear-se nas metas propostas para cada período, associados com resultados concretos para os agricultores. A avaliação deve ser realizada sempre comparando os cenários apontados anteriormente caso não existisse nenhuma intervenção e o considerado como viável com os recursos e propostas apontados no projeto.


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